sexta-feira, 30 de novembro de 2007

sustento

quando voltei com o peixe, ainda dormias, no meio do tumulto do lençol. fui amanhá-lo. tirei-lhe as escamas e as tripas, cortei-lhe as barbatanas. deixei-o em sal e limão. olho para o peixe e vejo: é um animal. tem olhos de animal. se respirasse poderia olhar para mim. é um animal. eu quando pesco, geralmente pesco apenas um peixe. nesta costa quase todos os que apanho são de tamanho médio. para nós é suficiente um peixe. para mim, sozinho, é mais do que suficiente. olho o peixe, com grãos de sal a decorar-lhe a carne. fazemos parte do ciclo das coisas, teluricamente, diz-me a quietude daquele animal que iremos comer. saio da cozinha para buscar os teus lábios. vou acordar-te com um beijo, antes mesmo de tomar banho. e falar-te do tamanho daquele que escapou.

1 comentário:

mari celma disse...

Vi em "sustento" o equilíbrio de guindaste que como diria Mario Quintana: ergue a carga do dia".
"Sustento" é literalmente um alimento para o corpo, mas para mim também foi para alma.