segunda-feira, 26 de novembro de 2007

ninho


Quando eu era noviça, eles foram cortados, rentes, para me livrar do mal e da vaidade. Escolhi a clausura, enquanto o mundo te levava. As pedras do claustro falavam comigo, ouviam minhas lágrimas. Eu quis me entregar para outros deuses. Usei outras alianças e troquei de nome. Escolhi um deles, sendo a noiva. Os votos me ocupavam e tua ausência devorava menos os meus instantes. Casta, pobre, quieta, uma monja sem abrigo. Aquele Deus precário, que tomei de empréstimo, sabia e me consolava. Deu-me casa, hábito, dias inteiros de serviço. Pecadora assídua, deixei que eles crescessem, como um crime. Soube do teu retorno, quando se ausentou do céu uma estrela que me era familiar. Do alto da minha cabeça, ninho resguardado, soltei-os. Cachoeira dourada. Derramados, entrego nesta bandeja meus cabelos. E parto.

3 comentários:

mari celma disse...

Ninho é perfeito.

Eliana Mara Chiossi disse...

Tua presença, assídua, é mais perfeita ainda.
Estamos formando uma rede assim, de amigos, e nos fortalecendo com as visitas e os comentários.
O Carteiro nos tem abensonhados, como diria Mia
Couto.

anarresti disse...

e perfeita a tua referência ao Mia Couto, que tão bem trata, impulsiona, desafia esta língua comum com cores e sabores diferentes.