segunda-feira, 19 de novembro de 2007

vigília

Zelo teu sono. Controlo a temperatura e os sobressaltos. Há dias esta febre te ocupa. As ervas fazem um trabalho demorado e tenho medo. Te escuto, te acompanho. Se demonstras que tens frio, rapidamente te aqueço. Se apresentas uma expressão de dor, pouso minhas mãos milagrosas até que tua expressão esteja suave e serena. Recordo o momento em que chegastes, esgotado, roupas esfarrapadas e fome por todos os lados. Eras a figura exemplar de uma ilha devastada. Ao teu redor, fraqueza, ânsias, desistência. Não me destes respostas e minhas perguntas tolas pousaram sobre as pétalas. Na aldeia, era o dia de trocar as flores. Os rituais de colheita e inaugurações. Tudo em volta era uma constelação de ruídos. Cobri os espelhos, fechei as janelas, tapei os seus ouvidos. As sereias da morte dançavam na extensão do jardim. Tua febre, teus calafrios. Teu sono povoado de monstros. Teus sustos. Todo meu corpo uma orquestra. Sem você, nenhuma música, nenhum grito, nada que explique minha ocupação de espaços. Zelo teu sono. Eu, sacerdotisa, fecho os olhos para ver teus sonhos. Apareço nesta tela branca e sussurro que voltes, que sempre estejas.

1 comentário:

mari celma disse...

Quando vivíamos na roça, sem explicação científica para os raios, assim que se anunciava chuva de vento via minha mãe correndo a cobrir os espelhos e cristaleira...num assombro anunciado mesmo. Ler que nessa casa que visito há o mesmo hábito me fez lembrar o cheiro indescritível de terra molhada...