quinta-feira, 29 de novembro de 2007

banquete

chegaste com o último esforço dos braços nos remos. quando saltei para puxar o barco para terra, era já o teu aroma que na praia se misturava com a maresia. e não consegui distinguir a tua voz da canção dos pássaros. era o meu nome que lançavas, como o anzol antes de um abraço. e eu fiz-me sustento para a nossa fome, ali mesmo, esquecendo-me da âncora e do decoro. foi com um berro e uma gargalhada que me lembraste que o barco estava a ser roubado pelas ondas. e, sorrateira, fizeste-me tropeçar, assim que a minha tarefa acabava, para te atirares sobre mim, sobre a água. era este o sabor que tardava? o mel salgado dos teus lábios, esta ambrósia, único alimento do amor-banquete? não quiseste desembrulhar as prendas. e ainda brincaste comigo, sem olhar para o espólio da viagem, dizendo que já o tinhas feito. mostrei-te a tatuagem que trouxe e as duas cicatrizes de um trambolhão de que não me posso orgulhar, como aventureiro heróico que não sou, que não fui, naquela encosta menos inclinada que a minha propensão para acidentes ridículos. não te trouxe feridas para lamber, apenas sal, que pedi emprestado à maré.

Sem comentários: