Irmão da minha alma,
Não poderia prever tanto enjôo de onda, tanta tripa em agonia. Os marinheiros de muitas marés e viagens riem com vontade e despropósito da fragilidade do nosso estômago. Alivia um pouco o embaraço de novato do mar poder partilhá-lo com outros aventureiros desprevenidos e inexperientes como eu. O Pedro, que é de Trás-Os-Montes, viu o mar pela primeira vez há uma semana. Tão cedo se assombrou com o seu tamanho e balanço, logo se enfiou nele como um animal de terra apanhado numa noite de tormenta. Ele olha com olhos de medo o horizonte, que é sempre recto, sem sombra de montanha ou colina que seja.
Aqui o papel é quase tesouro. Felizmente abasteci-me em terra de material para te escrever. É duro descascar batatas como se disso dependesse a luz do dia. Trabalha-se muito e muito rápido que há bocas para alimentar e fomes para aplacar. Ainda não houve ameaça de tempestade, a não ser nos meus sonhos agitados, à noite. De resto não consigo dormir o que queria. A caravela não se compadece com a minha necessidade de descanso e balança ainda mais, parece-me, assim que me deito. Não pensei ser tão aborrecido estar onde há apenas homens. Cansam-me algumas das conversas que se repetem como se no momento atrás não se tivessem iniciado contra o que é inédito e útil. Falta-me o riso de uma mulher, o seu cheiro, a mim que não conheço beijo para além do que recordo, da nossa mãe a deitar-nos, providenciando-nos as boas noites. É de mulheres que se fala assim que há ócio e um pedaço de tempo. Mas suspeito que é a ignorância que sustenta tanta bazófia e imaginação. Dir-se-ia que são de outro mundo, muito estranho as fêmeas que aqui só vivem em histórias e piadas.
Mais duas semanas sem ver terra, meu irmão. Mais duas semanas que aqui parecerão uma dúzia. O dia é o vazio onde só vento e desolação azul preenchem algo que se veja. E ainda assim há algo de grandioso no mar, que não é o seu tamanho sem medida. Sendo água, parece ser de vida e hábitos insondáveis. E tem temperamento, humores, zangas e risos. Se tivesse um desses espíritos poéticos e sugestionáveis diria que a espuma é o mar a rir-se de nós, da nossa pequenez e falta de conhecimento do que importa para vencer o medo. E dizem os mais velhos nestas andanças que há ondas maiores que a casca de madeira que nos transporta. E que é tão fria como um susto a água em noites de tempestade.
Não poderia prever tanto enjôo de onda, tanta tripa em agonia. Os marinheiros de muitas marés e viagens riem com vontade e despropósito da fragilidade do nosso estômago. Alivia um pouco o embaraço de novato do mar poder partilhá-lo com outros aventureiros desprevenidos e inexperientes como eu. O Pedro, que é de Trás-Os-Montes, viu o mar pela primeira vez há uma semana. Tão cedo se assombrou com o seu tamanho e balanço, logo se enfiou nele como um animal de terra apanhado numa noite de tormenta. Ele olha com olhos de medo o horizonte, que é sempre recto, sem sombra de montanha ou colina que seja.
Aqui o papel é quase tesouro. Felizmente abasteci-me em terra de material para te escrever. É duro descascar batatas como se disso dependesse a luz do dia. Trabalha-se muito e muito rápido que há bocas para alimentar e fomes para aplacar. Ainda não houve ameaça de tempestade, a não ser nos meus sonhos agitados, à noite. De resto não consigo dormir o que queria. A caravela não se compadece com a minha necessidade de descanso e balança ainda mais, parece-me, assim que me deito. Não pensei ser tão aborrecido estar onde há apenas homens. Cansam-me algumas das conversas que se repetem como se no momento atrás não se tivessem iniciado contra o que é inédito e útil. Falta-me o riso de uma mulher, o seu cheiro, a mim que não conheço beijo para além do que recordo, da nossa mãe a deitar-nos, providenciando-nos as boas noites. É de mulheres que se fala assim que há ócio e um pedaço de tempo. Mas suspeito que é a ignorância que sustenta tanta bazófia e imaginação. Dir-se-ia que são de outro mundo, muito estranho as fêmeas que aqui só vivem em histórias e piadas.
Mais duas semanas sem ver terra, meu irmão. Mais duas semanas que aqui parecerão uma dúzia. O dia é o vazio onde só vento e desolação azul preenchem algo que se veja. E ainda assim há algo de grandioso no mar, que não é o seu tamanho sem medida. Sendo água, parece ser de vida e hábitos insondáveis. E tem temperamento, humores, zangas e risos. Se tivesse um desses espíritos poéticos e sugestionáveis diria que a espuma é o mar a rir-se de nós, da nossa pequenez e falta de conhecimento do que importa para vencer o medo. E dizem os mais velhos nestas andanças que há ondas maiores que a casca de madeira que nos transporta. E que é tão fria como um susto a água em noites de tempestade.
7 comentários:
Prezado viajante,
começo a entender melhor as razões dessa viagem e de um eventual encontro: escreves muito bem, como quem está na outra ponta do mar.
(Começo a viajar, imaginando um encontro de linguagens improváveis)
Parabéns a ambos.
Acho que encontrei essa carta numa garrafa em minha ilha perdida no meio do continente.
Beijos.
sim, rm... a expressão "linguagens improváveis" tem muito a ver com estas duas margens, estes dois tempos, os dois percursos. não sei exactamente como será o encontro. é a escrita que fazemos aqui também ela uma viagem. uma busca.
celine,
uma ilha perdida no meio do continente? :D
fico a imaginar um lago.
pois se uma ilha no meio do mar é de terra, uma no meio da terra só pode ser de água. ou não?
quanto a mensagens em garrafas, penso que vou fazer isso em breve, atirar uma garrafa com mensagem dentro (sei que não é lá muito amiga do ambiente esta actividade... se todos atirássemos garrafas ao mar era uma catástrofe ambiental)
Talvez uma ilha de terra...cercadinha de água, e 're-cercada' do continente... :S (ah) entendeu??? rsrs.
E quanto a catástrofe...seria mais uma...rsrsrs.
Bjo
faço minhas as palavras de "RM".
beijos e boa viagem...
;-)
Depois de uma longa ausência, me deparo com portas semi-cerradas, grãos de poeira e alguma teia para compor o ambiente. Cadê vocês, tecelãs? Beijo!
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