quinta-feira, 6 de março de 2008

Cartas de Lua Minguante

Eu quero imaginar o que é ser uma índia. Não uma mulher descendente de indígenas. Uma índia, uma heroína, uma representante do meu passado histórico, pintado em telas e palavras. Eu quero imaginar outra Iracema. Uma prima dela, ou sua irmã mais nova. Pode ser uma índia composta com pedaços de várias tribos, de outros países próximos ao Brasil. Será preciso fazer pesquisas e apresentar uma versão verossímil? Terei que ir à legislação, para saber se o que escrevo está politicamente correto? Quero errar na representação. Vou montar meu retrato de índia. Juntar os pedaços desconexos do que lembro. Pedaços de canções, cenas de filmes, as ilustrações nos meus livros escolares, os quadros no Museu do Ipiranga. Os inúmeros desenhos dos viajantes. Hoje, ouvi o músico do grupo Madredeus, em depoimento a um filme sobre a Língua Portuguesa dizendo algo assim: que nós, falantes desta língua, assumimos nossa força para sentir alegria ou tristeza. E que nós éramos, todos, da mesma substância: a saudade. Esta índia que estou inventando, tem saudade do que ainda não aconteceu. Esta jovem sonha a chegada do seu maior amor. E sonha também o genocídio de seu povo. Não sei o que é ser uma índia. Nunca saberei. Posso compartilhar com ela, meu corpo feminino e nossos dias férteis. Posso entender, porque em mim ainda dói, o que é amar e ter saudade.

11 comentários:

Anónimo disse...

Eliana,

quero fazer uma muito tímida sugestão. Acho que você já incorporou a índia (a da guarânia então é fantástica, não achas?).

Mas queria lembrá-la, professora de português - olha que audácia (nada tímida) -, que o velho tupi, foi a nossa verdadeira "língua geral" até o raiar dos setecentos e oitocentos.

Eu, bicuda e pitaqueiramente, acho que é por aí...

Eliana Mara Chiossi disse...

Rm, as sugestões são aceitas e vão para a narradora. Que vai claudicar, vai se confrontar com sua ignorância, vai ter de ir aos livros, vai misturar fatos e autores.
A intenção é essa. Ou essa é a única forma que encontrei para ter coragem de compor uma "índia".
Espero que você se prepare para entrar no mundo da ficção comigo.

Um abraço.

Eliana Mara Chiossi disse...

No romance Iracema, Alencar lida com esta dificuldade e os autores de literatura sempre tentaram achar uma forma de compor uma personagem índia sem que ela falasse a "língua" geral (senão o livro deveria ter legendas!). E essa mescla de um corpo índigena que fala português (ainda que na época, nos primeiros trinta, quarenta anos, poucos falassem português, suponho, a narradora ficaria muito postiça se tentasse imitar literalmente a fala de uma ìndia. Esse é o nó que vai aparecer na escrita, mas inspirada na estratégia de Clarice Lispector, em A Hora da Estrela, vou expor as dificuldades. Não sei se isso vai ter algum interesse. Não sei se o efeito final será o efeito que desejo. Nem sei que efeito é esse. Sinto que estou entrando numa viagem interior. É isso.

Anónimo disse...

Não, querida.

Acho que não me expressei bem (o que, aliás, é a regra comigo). Não me passou pela cabeça a narrativa ou o tratamento coloquial e sim o uso intencional das palavras, radicais e expressões ainda (e frise-se bem esse ainda) presentes, de forma riquíssima no nosso vocabulário.

A escolha dos nomes das ruas, dos acidentes geográficos, das pessoas, etc. Foi a isto que me referi.

Eliana Mara Chiossi disse...

Então, se entendi agora, este léxico presente ainda hoje, certamente é um tópico para incluir, para trabalhar com isso, por exemplo, em momento em que a narradora comenta a presença dessa cultura índigena na nossa cultura atual.
Abraços,

Eliana

Anónimo disse...

Como diriam os "índios" atuais: Yeah!!

Beijo mineiro.

Patty Diphusa disse...

Eliana, a índia já tem alma, rosto, corpo, cheiro...ela só quer saber que mundo está lá fora para poder participar dele. Isso vc vai descobrir, inclusive com a pequena ajuda dos amigos (essa é para o beatlemaníaco RM). Agora, que essa índia está pronta, está. E doida para que aconteçam coisas que ela venha a ter saudades. Mal sabe a mocinha...

bjs

Anónimo disse...

"I'm just me someone to love"

(aposto que Amélie vai falar que escrevi tudo errado)

Anónimo disse...

Deixa eu consertar logo, antes que ela me detone:

"I (just)need/want somebody to love"

Vee disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Li,

Bom dia, flôr do dia.
Pra ti:

http://www.youtube.com/watch?v=c62feibLs7g&feature=related

(gosto da letra)

Conheci Nando Reis há 1 ano aqui em RP, numa passagem de som, no shopping. Parei, fiquei olhando, me aproximei e pedi essa música. Ele tocou... Bah! Não tinha quase ninguém por perto. Fiz cara de paisagem, é claro! Risos


RM,

Que derrapada. Hã?
Mas tu só escorrega, não chega a cair.


Beijos.