sexta-feira, 4 de janeiro de 2008

motor

Ainda havia calor na lareira, feita no improviso. Algo como um ninho e repentino vôo. Louças arranjadas para o jantar de ontem. Som repetido das batidas de uma janela quase rouca. Gavetas a meio gesto, de quem saltou sem paradeiros. Sem bilhetes, restava a casa murmurando em idioma extinto. Sandálias, chale saudoso de galízias, anzol, jornal do dia, a saia rodada, caderno forrado por um veludo em névoas, chapéu enfeitado com uma flor que canta: este inventário registra o inteiro desaparecimento. A percussão constante da água em queda, som cortante no toque de um aço horizontal, arma desfeita e sem cortes. Chega o vento e move o corpo das sedas brancas, cortina drapeada. Lençóis tatuados: toda a narrativa ali disposta.

1 comentário:

mari celma disse...

Depois desse texto eu só consegui pensar em duas imagens: mesa posta para ninguém e armario com fileira de cabides vazios...que fuga ou partida inesperada seria essa, que nem deu tempo para fechar as janelas? "Motor" é um afago de vento sudoeste!