Eu era criança e ficava sentada aqui nesta pedra, olhando as mulheres da tribo nos seus afazeres. Uma sensação esquisita me tomava. Eu fazia parte da tribo e ao mesmo tempo via a todos como se fosse de outro lugar. Achava tudo tão bonito. Buscava o colo de minha mãe e dizia: mãe, aqui é um lugar tão bonito. E minha mãe dizia: é, é mesmo. Desde pequena eu via muita gente de outros mundos. Falava com eles. As crianças da tribo tinham um pouco de medo de mim. Fui crescendo na tribo, com uma missão. Eu era uma mulher especial. E já me consultavam para saber das novidades das próximas guerras. Cheguei a prever o ataque de tribos inimigas e tivemos tempo de nos retirar. Meu pai, desde cedo, me ensinava a ler as estrelas. Nas cerimônias do chá, sempre me ajudava a traduzir as visões. Apenas uma, que se repetia obsessivamente, ele não traduzia. Nem comentava. Toda vez que eu descrevia esta visão, ele se levantava, com ar de derrota, e ia embora. Passava dias sem falar comigo. E desde que me ouviu contando a aparição de um homem de pele branca, usando trajes estranhos, começou a fazer um ritual para que eu fosse a sacerdotisa. Na celebração de minha passagem, chorei o tanto que podia chorar. Daquele momento em diante eu estava fechada para ser mãe e mulher. Eu era a guardadora dos segredos da tribo. E meu coração estava selado.
3 comentários:
E meu coração também está selado.
adorei. muito.
um beijo carinhoso em vc!
K.
K,
que você possa acompanhar esta história e me entregar sua opinião. É uma construção que tem me mobilizado. Talvez porque fale de amor, talvez porque vá tocar em pontos do meus sonho. E também porque há muito o que dizer sobre mulheres que não puderam dizer nada, como as índias.
Um beijo no coração.
ufa, que bom que os posts voltaram! Que vc é estrangeira eu já sabia só não sabia que sua alma tinha quinhentos anos e que carregava contigo a sabedoria das pedras! Vixe...agora te vi griot! E quem sabe não vem daí essa sua ligação atemporal com a palavra?
Bunito...muito.
Enviar um comentário