domingo, 11 de maio de 2008

5ª Carta - Melancolia

Irmão adorado,

Nos próximos dias deveremos chegar a terra. Espera-nos solo firme, árvores, colinas, e os mantimentos que vamos buscar. Dizem que será breve a nossa estadia. Nem um dia passará antes que voltemos ao mar. Já não enjoo como dantes, mas devo ter o que eles chamam a maleita das saudades de terra. Fico a olhar o horizonte e uma tristeza sem nome me invade os pensamentos. Até as coisas mais ridículas são motivo de melancolia. Tenho saudades da cama dura e estreita onde dormia em Lisboa, tenho saudades de cavar a terra junto à casa de nossos pais, da sede que sentia no pico do sol e de ir buscar àgua ao poço, tenho saudades da sujidade das ruas, dos bancos da taberna. Dizem que isto passa, que daqui a uns meses me crescerão escamas e serei um peixe de calças. Mas nem aprendi a nadar nem o humor de marinheiro me ajuda a enfrentar o dia.

Só hoje aconteceu ser visitado por um pensamento que agora me entristece e confunde. Guardo as cartas que já escrevi neste navio longe do alcance dos olhos. É que sei que te escrevo, que me dirijo a ti, mas que as palavras que te endereço navegam comigo ao sabor das distâncias e das tempestades. O tempo aqui é longo, lento, pesado. E existe algum alento em escrever-te. Mas nem lacre tenho para fechar as cartas. Ficam dobradas dentro de um pequeno baú partido que pedi e me cederam com um riso trocista.

Não posso ficar muito mais tempo a escrever-te. Custa-me ver o motivo do meu desânimo tão claro, em frases que não quero reler. Aceita a desculpa de que tenho de ir trabalhar. Assim que acaba a ceia há que preparar a refeição da manhã. E eu fiz amizade com o marinheiro encarregue da cozinha. Não quero desapontá-lo. Quando estiver com mais força de espírito, hei-de contar-te as anedotas sobre sereias, peixe e gaivotas que ele me tem ensinado. O Estêvão ajuda a olhar para o que me cerca com alguma leveza. O que não é tão mau assim.

Te guarde o anjo do Senhor,
Rezo pela tua saúde, irmão,

Afonso.