quinta-feira, 29 de maio de 2008

Carta de Lua Cheia

Os perfumes são indícios. Ao redor, a primavera está eloqüente. Não sei ser índia. Não posso imaginar muito bem a pureza de um amor sem o filtro ideológico, sem o palavrório todo que aprendi, sobre a igualdade entre nós. Tenho receio de parecer reacionária. Confesso que uma vida a dois, sem a invasão das idéias prontas, sem a postura bélica e invasiva, isso me agrada. É um aceno de paraíso. Eu gosto mesmo de dormir com a cabeça encostada no peito de um homem. Gosto que o homem seja forte e que havendo feras e ameaça de ataques, eu possa ficar dentro de casa, livre da chuva, dos granizos e de ventos mal criados. Não gosto da idéia de tirar a pele de um javali para o almoço. Aceito a tarefa de pescar e havendo um fogo aceso, não me incomoda colocar o peixe espetado sobre o calor. Prefiro, neste caso, ser uma mulher das cavernas e vegetariana. Plantar e colher alimentos me agrada. Estou cansada da liberdade que alcancei. Atualmente, pago as contas, não espero que abram a porta do carro para mim, vou ao trabalho, dirigindo, e enfrento o trânsito maluco. Faço coisas que antes eram reservadas aos homens. Ainda não sei trocar a resistência do chuveiro. Não sei como me aproximar dos sentimentos de uma mulher indígena, que vivia numa terra de águas limpas, alguns mosquitos e muitas árvores. Não sei como esta mulher sonha. Não sei como seria o padrão de respiração dela. Mas falar dela, narrá-la, é uma forma de estar lá, de entender o meu cansaço atual. Ah, seria muito bom encontrar um homem forte, decidido, guerreiro. Não nasci para a guerra. Gosto de costurar, tenho jeito para fazer artesanato, tricô e crochê. Não sou sacerdotisa de nada, mas tenho aptidão para os oráculos. Estudo tarô e já tive momentos de grande epifania, ao ler a sorte de algumas pessoas. Detesto dirigir. Detesto o trânsito engarrafado. Estou cansada de usar calça jeans. Vestido solto, bem desenhado, e um par de chinelinhas femininas, ah, isso me agrada hoje. Não vejo nenhum problema em dar um beijo diário no homem que sai para trabalhar e só volta à noite. Monto na caverna um mundo. Trago livros, discos, quadros, papel, canetas, envelopes, meu computador e uma conexão com o mundo. Não quero saber de comício, nem quero ler teses sobre a liberdade feminina. Tenho meu próprio salário mas me agrada a idéia de ter um marido mecenas, que me deixe ser apenas escritora, que me deixe viver à toa. Sem tempo, sem ócio, sem espaço para o silêncio, meu encontro com esta mulher vai sendo adiado e a história não prossegue. Estou à procura de um troglodita esclarecido, e quase que repito a frase que antes me insultava: se ele não me bater, está tudo bem.

5 comentários:

Anónimo disse...

Procura essa mulher, do lado dessa que você alcançou ela está.
E vai te mostrar todo dia, a que você merece ser.

Lindo Lindo

Roney Maurício disse...

Ei Li,

delicioso o texto, não fosse, afinal, muito sério.

Mas tenho quase certeza de que você encontrará a tal índia, que está em você e em todas as mulheres brasileiras, mesmo as estrangeiras.

Aliás, acho que você já a encontrou, aqui e ali. O problema são os caminhos e, hoje em dia, com esse trânsito...

Anónimo disse...

Roney,

estou muito séria?
Ah, o humor, e o trânsito.
Sei que as montanhas me salvam.
Apareço aí, de surpresa, qualquer dia desses.
Preciso de uma manhã inteira, de conversa com você.
Beijos.

Anónimo disse...

Celine,

de vez em quando, pelas ruas da nossa cidade,
procuro por você e não encontro.
Onde é que você se esconde?

Beijo. Beijo.

Anónimo disse...

Minha flor.
Te dizer que te procuro tbm, e não te acho. Como te encontro?
Beijos