segunda-feira, 5 de maio de 2008

Cartas de Lua Minguante

Olho ao redor e tudo é silêncio. Após o ritual, todos se recolheram, exaustos e felizes. Nem mesmo as crianças resistiram ao convite da madrugada. Passo devagar pelas redes e saio em busca de água. A urgência da pele me acelera. Sinto sob meus pés o orvalho delicado. A relva macia, hidratada. O rio segue, sem parar. Ouço a cantiga dos insetos, alguns brilhos dispersos em despedida. Os ruídos conhecidos, o ritmo confortável da vida que conheço tão bem. Entro lentamente nas águas. Vou entregando meu corpo, na esperança de que o calor seja abrandado. Teu rosto é uma imagem insistente. E nem sei direito teu nome nem de onde vens. Sei que sou prisioneira dos teus braços ainda desconhecidos. Este calor é meu desejo implacável. Amanhã teremos outra cerimônia. Muitas mulheres receberão desenhos especiais, serão tatuadas pelos deuses. A floresta grita. Vamos cantar novamente, até que chegue a noite, que ao nos encontrar, exaustas, nos transporte ao sono profundo. No meu desasossego, estarei desperta antes que o dia retorne. Com o pensamento fixado na tua voz, ainda desconhecida. Sonho este idioma em que te expressas. Ouço este material sonoro e minha compreensão se dá em meio ao transe. Amanhã algumas mulheres irão comigo para a cerimônia das visões. O chá que partilharemos pode me levar a seu encontro. Ontem, estive nos seus braços e tudo era uma dança sem fim. Os efeitos da bebida bem preparada amoleceram meus músculos. Disse frases sem sentido. Gemi em êxtase. Entreguei minha virgindade aos teus beijos impacientes. Era preciso manter os olhos fechados. Resguardada de outras visões, acolhi teu corpo preso às minhas pernas. Amanhã nos reuniremos outra vez, outras mulheres, e compartilharemos o chá das delícias. Nós, que sabemos bem o caminho do êxtase.

4 comentários:

Anónimo disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Anónimo disse...

Não consigo descrever a emoção que sinto diante das "Cartas de Lua MInguante".
Obrigada.

Eliana Mara Chiossi disse...

Celine, querida,

faltava alma para as cartas. A personagem não me visitava.
Chegou me assoprando a cena insistente: as mulheres visitando o futuro.



Beijos e alegria com você.

Fátima Sta Rosa disse...

Li,

Essa imagem arquetípica também já me visitou... Na lua cheia. Gosto da imprevisibilidade dos seus textos!

Um beijo